16/03/2010

O que se Sente não se Consegue Dizer

O que habitualmente se sofre (se sente) não se pode contar. Não é só porque isso é normalmente ridículo (porque a grande maior parte do que se pensa e sente é ridículo) e só o que é grande é que cai bem e vale portanto a pena dizer-se. É que o dizer-se altera o que se diz.
 O sentir é irredutível ao dizer. Só o estar sofrendo diz o sofrer.
Na palavra ninguém o reconhece ou reconhece-o de outra maneira, essa maneira em que já o não reconhece o que o conta. Mas dizia eu que a generalidade do que se pensa, sente, é ridícula.
São raros os momentos de «elevação».
A quase totalidade do tempo passamo-la distraídos, alheados em ideias sem interesse, nascidas de coisas sem interesse, as coisas que vai havendo à nossa volta ou no nosso divagar imaginativo ou que nem sequer chega a haver porque há só a abstração total no quedarmo-nos pregados às coisas que nem vemos nem nos despertam ideia alguma e estão ali apenas como ponto de fixação do nosso absoluto vazio interior.


Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'

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